02 junho 2009

VENDE-SE TUDO

Por Martha Medeiros

No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam
meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma.
No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.
Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida. Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza... só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir...

Um bom dia a todos...

4 comentários:

Aris do Mar disse...

Que lindo Gi! Coisa boa acordar e ler uma mensagem dessa de cara.
Adorei.
Bjão

Gabriela Rolim disse...

a Martha abusa né? quero escrever como ela um dia

beijo

Thyago Polary disse...

Aiin...

eu juro que queria ser assim, juro mesmo. Mas não consigo, não dá! Sou muito apegado às minhas coisas, desde besteirinhas, como os meus e-mails (tenho mais de 10 mil e-mails na minha conta, uns de 2002, pra tu teres noção), passando pelos meus recados no orkut (quer em ver puto é apagar um scrap que deixou pra mim!) e pelas MINHAS (pq eu sou possessivo!) pessoas! Não consigo me desfazer das coisas... Mas acho super bacana quem consegue olhar pra frente se desvencilhando do passado... bora torcer pra eu um dia conseguir ser assim, rs.

Beijos, ótima quarta pra tu!

Poeiras Lunares disse...

Deixar tudo para trás, aprender a viver com pouco, não valorizar o material são lições duras de se aprender, mas quando se aprendem mudam a perspectiva de tudo. :)